Tribos, Sustentabilidade e Saudade do Ceará
Por Cindy Correa*
Tenho visto um movimento que me deixa muito feliz, que é uma retomada ou um novo abraçar da cultura popular brasileira em ciclos mais mainstream. Eu, que cresci no Ceará e estou há mais tempo em São Paulo que qualquer pessoa sã deveria, sinto um calorzinho no coração vendo vestidos com estampas no estilo de xilogravura, posts por aí ressaltando as maravilhas do cuscuz nordestino, e artistas regionais brilhando.
Desconfio que sejam muitos os motivos que levam a isso, mas talvez haja relação com os duros cenários social, econômico e político. Isso porque nos momentos em que fome e a opressão estavam mais fortes, como nos duros períodos militares do século passado, também houve algo semelhante na nossa cultura. Brilharam nesses momentos Luiz Gonzaga, Ariano Suassuna e Glauber Rocha, apenas para citar três nomes em três períodos e plataformas diferentes.
É a convocação de símbolos e narrativas que trazem o conforto do lar, da fortaleza da terra natal em contraposição ao momento de conflito, dor, fome e desamparo. Vem de uma necessidade de construir uma identidade contra a opressão, contra o genocídio de pretos, pobres, nordestinos, índios pela fome, pela pandemia, pela polícia, pelas ilegalidades que assolam a Amazônia, etc.
É a resistência cultural de tentar voltar para uma tribo, que traz segurança, conforto e até a possibilidade de confronto, algo que a vida atual em sociedade tem cada vez mais pulverizado, esvaziado, segregado e até se apropriado de formas maquiavélicas. Vemos esse conceito de tribo sendo manipulado para fortalecer e incentivar movimentos dúbios, como a polarização nas redes sociais e as teorias da conspiração, onde você, escolhido, passa a fazer parte de um seleto grupo que tem acesso a uma, provavelmente falsa, verdade.
Mas esse artigo não é para falar das mazelas, manipulação política ou fakenews, é para falar do quentinho no coração de ver um movimento tão legal quanto o projeto Nordestesse, uma plataforma do Magalu que, segundo a revista Vogue, nasceu com o objetivo de divulgar e fomentar o trabalho de empreendedores dos nove estados do Nordeste. Com estilos diferentes e histórias surpreendentes, tem 18 marcas autorais, lindas e nordestinas, que trazem em si a solidificação de conceitos imagéticos discursivos de uma brasilidade que não vai parar de lutar pelo seu direito de viver.
Além do nordeste, tem também projetos bacanas com diversos povos originários e comunidades do Norte do País. A Tucum Brasil, plataforma de impacto socioambiental de artes indígenas do Brasil, está muito bem estruturada, investe na melhoria das comunidades e já tem até uma linha de upciclyng da comunidade Marubo com reaproveitamento de PVC. Corre lá no Instagram deles. Tem os produtos e tem o mapa de impactos positivos do projeto. Outra ação legal é o Amazoniativa que é uma vitrine online de produtos da Amazônia brasileira que passou a ter uma loja nas Americanas.com.
Fora a militância no apoio à guerra cultural e o conforto emocional de se sentir parte de um grupo maior — mesmo que de forma efêmera–, há outros ingredientes para impulsionar a compra de produtos desses projetos ou diretamente dos artistas.
Uma das etapas mais importantes do consumo consciente é saber a origem do que você compra. Conhecendo a origem e a forma da produção, fica mais fácil ter uma ideia dessa cadeia produtiva e seu impacto real.
Tem uma marca aqui em São Paulo que eu gosto muito, a Calma SP, que faz roupa que vence barreiras de gênero. Acompanho a CEO e diretora criativa, Kelly Kim, no Instagram. Sei como é processo de produção. Sei que eles trabalham preferencialmente com viscose, que é um tecido de fonte renovável, não é de plástico como a maior parte das blusinhas que tem por aí na promoção. Lá em Fortaleza tem a Ahazando, marca incrível, babadeira, que aposta na diversidade. Amo pelo pacote completo, inclusive por saber que a roupa que estou usando não tem relação com trabalho escravo, trabalha com opções sustentáveis e ajuda a criar mercado para uma juventude que quer mostrar sua garra.
Segundo a WWF, a pegada ecológica é uma metodologia que ajuda a quantificar os recursos naturais que usamos para sustentar o nosso estilo de vida. “É também uma ferramenta de leitura e interpretação da realidade, pela qual poderemos enxergar, ao mesmo tempo, problemas conhecidos, como desigualdade e injustiça, e, ainda, a construção de novos caminhos para solucioná-los, por meio de uma distribuição mais equilibrada dos recursos naturais, que se inicia também pelas atitudes de cada indivíduo”, explica o site da ONG.
É preciso se perguntar do que é feito isso que estou comprando, como é feito esse produto e para onde vai. Como que essa empresa cuida das pessoas e do meio ambiente. Este produto se apropria de uma cultura apenas visando lucro ou a homenageia dando crédito?
Esse pensar tem que ser incorporado cada vez mais em todo o nosso dia a dia, como transporte individual e momentos de consumo. Por exemplo, na hora de comprar sua alimentação, sua roupa e seus produtos de higiene e limpeza. As cerejas maravilhosas que eu comi no fim do ano geralmente são importadas do Chile ou dos EUA, e vêm carregadas de uma forte pegada oriunda de combustível desse transporte. Então, vale favorecer o que é local, o parceiro, aquele que você conhece, impulsionando o produtor regional, recebendo o que está na época de colheita. Isso em geral reduz sua pegada de carbono e fortalece os pequenos empreendedores.
E ter consciência da etapa pós consumo. Incluir a preocupação com a economia circular, o correto descarte e evitar ser corresponsável pelo lixo no Atacama ou dos bueiros entupidos em São Paulo.
É consumo, sim, mas que pode ajudar a pender o mundo para um lado melhor. Eu espero.
*Cindy Correa é jornalista, estudante de química, está no comando da Comunicação da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores) e quer começar um negócio de cosméticos verdes.
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