Marcas mais valiosas do mundo ou “para” o mundo?
Por Adriana Martins* – Anualmente, a Kantar divulga um ranking das 100 marcas mais valiosas do mundo. A classificação, chamada Kantar BrandZ Global, vem sendo realizada pela empresa desde 2006, com base na combinação de resultados financeiros com resultados de pesquisas quantitativas e representativas da percepção de consumidores ao redor do mundo. O cômputo final engloba uma visão holística de imagem, reputação e capacidade da marca de gerar valor para uma empresa.
Com base nos dados da Kantar, a Visual Capitalist disponibilizou esse gráfico das 100 marcas mais valiosas de 2021. O tamanho do círculo reflete o valor da marca e as cores definem os segmentos de atuação.
Uma das constatações foi a de que o valor somado das Top 100 Brands cresceu 42% em relação ao ano passado, atingindo um total de US $ 7 trilhões. No topo da lista ficou novamente a Amazon, com US $ 683 bilhões atribuídos como valor de marca, seguida da Apple, na segunda posição, com a marca avaliada em US $ 612 bilhões. É natural que as principais empresas da lista sejam as grandes de tecnologia, já que a pandemia levou ainda mais consumidores para a Internet.
Visualizando esse gráfico, e a Amazon bem destacada no meio, pensei nos deveres que essa liderança consecutiva acarreta, já que, com grandes poderes (e tamanha visibilidade), vem também grandes responsabilidades.
Foi nesse contexto que me veio à mente: o que uma marca pode, e deve fazer, para retribuir tanta confiança e endosso por parte de bilhões de consumidores ao redor do mundo?
O exercício valeu para resgatar algumas boas e más notícias divulgadas recentemente sobre a empresa, do ponto de vista da sustentabilidade e ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança).
Entre as boas, vi que em 2019, a Amazon lançou o Climate Pledge, um fundo de ESG para investimentos em tecnologias ecológicas. Até o final de 2020, 18 empresas, incluindo Uber, JetBlue, Best Buy e Verizon, haviam aderido ao fundo. Achei que foi um movimento positivo da empresa, ancorado na agenda para o desenvolvimento sustentável.
Mas, no meio desse ano, uma matéria da Exame Invest revelou que a Amazon estava sendo acusada de abuso de poder econômico e enfrentava intensa cobrança dos acionistas por mais governança e transparência, em meio a um processo por práticas antitruste, de controle de preços e outras ações para aniquilar sua concorrência.
Em assembleia, seus acionistas também reivindicavam a divulgação, em relatório, da quantidade de plástico proveniente de embalagens descartadas em todas as operações da gigante, já que isso vem contribuindo para a degradação ambiental, ameaçando a biodiversidade e agravando o problema do acúmulo de lixo plástico no planeta.
Além disso, solicitavam que a empresa tornasse públicas as estratégias e metas de redução do uso desse material, com base em um levantamento dos riscos reputacionais, operacionais e financeiros associados ao uso contínuo de grandes quantidades dessas embalagens.
E para reforçar a preocupação dos acionistas da Amazon quanto às práticas da empresa na contramão da estratégia ESG, uma reportagem do jornal The New York Times apontou que a empresa havia excluído uma série de grandes fornecedores de equipamentos eletrônicos, especialmente de assessórios para celulares, por manipulação das avaliações de consumidores, um dos pilares da reputação da Amazon.
Por fim, houve um coro de críticos quando do vôo espacial protaganizado pelo fundador da companhia, hoje um dos homens mais ricos do mundo, e por isso mesmo, um ícone da concentração de renda extrema permitida pelo “velho” capitalismo, que perdurou por décadas, focado somente no lucro dos acionistas, ao mesmo tempo em que o capitalismo consciente, novo paradigma do sistema de livre iniciativa, vem direcionando esse foco para todos os stakeholders da empresa (partes impactadas pelo negócio).
Isso demonstra que, mesmo no topo desse ranking, por anos consecutivos, a Amazon não está livre de ser penalizada por práticas não sustentáveis se não estiver atenta à gestão de sua reputação através da adoção de uma agenda pró sustentabilidade a altura da sua marca e da escuta, principalmente em relação às demandas das novas gerações, preocupadas com o futuro do planeta.
Por isso, um conceito importante para os gestores terem em mente, daqui para frente, é o da externalidade. Ou seja, que impactos negativos a operação da empresa causa ao longo da sua cadeia produtiva e de valor que não são incorporados aos seus custos, mas ao invés disso, são repartidos com a sociedade como um todo.
Essas externalidades são inerentes às operações do negócio e precisam ser atenuadas com inovação e maior eficiência nos processos para redução de emissões, diminuição de distâncias entre a origem e o destino dos produtos, menos desperdícios de recursos, como água e energia, embalagens, produtos pouco duráveis e de baixa qualidade a fim de reduzir devoluções, resíduos e descarte.
E nessa linha de raciocínio, quem melhor que uma gigante do e-commerce para reforçar essa mudança de paradigma através do incentivo ao consumo consciente? Quanto custaria a mais para a operação de uma empresa com tanta capacidade de inovação tecnológica, promover essa circularidade na economia? Quanto isso retornaria em valor de reputação e marca? Algo incalculável.
Por isso, ao invés de compartilhar valor apenas com seus acionistas, uma marca tem por obrigação compensar a sociedade, o meio ambiente e as futuras gerações pelas externalidades, reinvestindo boa parte de seu lucro em melhoria de processos e projetos que favoreçam a prosperidade social e do planeta, garantindo assim, a própria longevidade do negócio.
Vale ainda considerar que, hoje em dia, os riscos de reputação para uma marca vão muito além de uma queda nesse ranking. A cultura do cancelamento, pode levar uma grande maioria de consumidores a boicotar uma empresa associada a escândalos ou processos que prejudiquem pessoas, meio ambiente e biodiversidade, sem falar do risco de perda da licença para operar – quando uma comunidade decide banir uma operação por estar causando danos aos moradores e ao seu entorno.
A Amazon está reagindo diante dos protestos de funcionários e consumidores ao redor do mundo e suas reivindicações por medidas mais amplas em relação à ameaça das mudanças climáticas. Tanto que seu presidente-executivo, Jeff Bezos, prometeu tornar a empresa neutra em carbono até 2040.
Mas aí, vem novamente a pergunta; seria essa neutralidade proporcional ao peso da Amazon nesse ranking? O que mais uma empresa que tem sido agraciada e financiada, ano após ano, por bilhões de consumidores mundo afora, poderia fazer para regenerar o planeta na velocidade que precisamos?
E nós consumidores, que bancamos as plataformas de e-commerce, tentados diariamente pelo consumo a um clique de distância, como podemos desenvolver hábitos de consumo consciente, para reciclagem e descarte adequado de produtos, priorização de reparos e upgrades ao invés de simplesmente sucumbirmos à obsolescência programada, trocando de celular a cada ano?
É simples. Fazendo a nossa parte para consumir menos e com mais senso de propriedade, responsabilizando-nos por nossas escolhas, dando preferência às marcas que se importam com a prosperidade das pessoas e do planeta, praticando a logística reversa, oferecendo peças de reposição, upgrade e assistência técnica, permitindo prolongar a vida útil dos produtos e facilitando sua reciclagem, promovendo assim, uma economia mais circular.
Portanto, assim como as marcas têm o poder de influenciar o comportamento dos consumidores, nós também temos o poder de influenciar o comportamento das marcas. Essas forças somadas, provocam ação e reação, sendo uma arma poderosa para a preservação do planeta.
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*Adriana Martins é consultora de planejamento estratégico e de marketing na Bi2 Partners com foco em reputação de marca, sustentabilidade e ESG (Environmental, Social, Governance). É fundadora do marcasdeBem, que nasceu para dar visibilidade às ações de marcas éticas, honradas e ativistas em prol da prosperidade das pessoas e do planeta. Conecte-se com a autora.